Publicado em 07 de Fevereiro de 2010 no hoje extinto site FórumPCs.com.br

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LAMENTO: VOCÊ NÃO VAI GOSTAR DE LER ISTO
[Já parou alguma vez em silêncio e sem estresse, aproveitando
um momento mágico, para meditar no que significa esse
turbilhão superacelerado e hipertecnológico que vivemos
nos dias de hoje? Talvez seja tempo o tempo certo para
dar essa pensada.]
É, talvez você não vá gostar de ler isto não. Hoje, convido você a cair na real sobre os inquietantes e muitas vezes deprimentes paradoxos da época atual. Eu explico. Esta coluna de hoje representa meia centena de edições dela na fase atual de meus escritos aqui no FórumPCs e resolvi comemorar a efeméride, trazendo até vocês a história de um pastor de uma igreja nos EUA que se meteu em uma enrascada com a Lei e, em 1998, foi substituído em sua paróquia em função do escândalo. Apesar de ter claramente pisado na bola, ele escreveu uma notável mensagem de despedida para seus fiéis. Reencontrei hoje o texto original dessa despedida e deixei que ele me levasse a aprofundar a reflexão nele feita, aplicando-a aos tempos high-tech que vivemos no limiar dessa segunda década do século XXI.
Você certamente já se deu conta de que vivemos envoltos em uma cadência de tempo aceleradíssima, em que nos vemos cercados de maravilhosas invenções tecnológicas que já se integraram à nossa rotina. Em comparação com a realidade que as gerações anteriores vivenciaram, temos edifícios mais altos, mas nosso pavio está mais curto — nossa tolerância muitas vezes deixa a desejar. Trafegamos em rodovias mais largas, mas nossos pontos de vista estão cada vez mais estreitos. Gastamos mais, mas temos menos. Compramos mais coisas, mas não conseguimos desfrutar a contento essas coisas que compramos. Vivemos em casas maiores, mas construimos famílias menores.
Desfrutamos de um universo muito mais amplo de conveniências do que nossos pais e avós desfrutaram, mas dispomos de menos tempo para curtir esses confortos modernos. Temos mais graus acadêmicos, mas menos bom senso. Possuímos muito mais conhecimento do que nossos antecessores, mas temos menos juízo. Podemos contar com a ajuda de mais especialistas, mas o número de problemas que nos cerca não para de crescer.
[Tanta tecnologia nos cerca, tantos avanços científicos...
Prometeram-nos que as máquinas, os equipamentos, os
computadores e os celulares facilitariam nossa vida,
economizaram nosso tempo e nos permitiriam curtir
períodos de lazer muito maiores. Caiamos na real.
É isso mesmo que acontece?]
Temos ao nosso alcance uma quantidade nunca antes vista de gadgets dos mais diversos tipos, mas tiramos deles menos satisfação. Dispomos de uma Medicina avançadíssima, mas desfrutamos de menos bem-estar. Nós nos entupimos de vitaminas, energéticos e medicamentos, mas vemos menos resultados palpáveis em nossa saúde. Dependendo de nossos vícios, bebemos demais, fumamos demais, nos drogamos demais, transamos demais e gastamos nosso dinheiro de forma muitas vezes perdulária. Mas, no entanto, rimos menos. No estresse do cotidiano, dirigimos rápido demais, temos pressa para tudo, não paramos para pensar e nos irritamos rapidamente. Ficamos acordados até tarde da noite, acordamos nos dia seguinte muito cansados e não rendemos tudo que poderíamos. Livros de verdade? Lemos muito raramente. Vemos TV em excesso, [ou Netflix, que seja] isso quando não estamos pendurados na internet, lendo emails, ou tagarelando nos programetos de mensagens instantâneas [e nas redes sociais]. E raramente paramos para realizar um mergulho interno, atividade pacífica na qual talvez até poderíamos travar contato com nossa centelha divina que permanece, vigilante e silenciosa, nos iluminando por dentro, ou, pelo menos, tentando. Sim, oramos menos, se é que algum dia paramos para elevar uma prece ao Mais Alto.
Vivemos na ânsia constante de multiplicar nossas posses, mas reduzimos nossos valores. Transportamo-nos a grande velocidade, seja em aviões mais rápidos, seja em trens-bala que zunem por trilhos magnéticos. Queremos chegar ao nosso destino o mais rápido possível, sem necessariamente curtir o encanto do caminho que percorremos. Queremos chegar logo “lá”, só que, em lá chegando, fazemos menos coisas e voltamos às vezes mais cedo do que planejávamos. Temos que assinar mais contratos para obter lucros menores. Falamos em demasia, amamos raramente e (sejamos francos pelo menos agora) mentimos demais, muitas vezes.
Onde andam nossos pensamentos? Façamos uma análise e tentemos compilar uma tabela comparando os temas que tomam nossa mente com quantas horas ficamos pensando nesses temas ao longo de um dia. Pensamentos são energia. Emoções também são. Essas forças que nós mesmos criamos permanecem em torno de nós, definindo a essência de nosso presente e os caminhos que nos levarão ao futuro. Estamos controlando devidamente as energias mentais e sentimentais que nos envolvem? Estamos fabricando para nós o futuro que realmente queremos?
[Às vezes é mais fácil ficarmos limitados à nossa confortável
rotina de pensamentos do que ousar voos mais longos e,
consequentemente, menos seguros. Isolando-nos dos “perigos”
das novas ideias e das novas maneiras de ver a vida, ficamos
mais parecidos com os nossos amigos, conhecidos, colegas
de trabalho, parentes e agregados. E assim, ficamos mais
parecidos com gado, um grupo de seres que é movido de lá
para cá com muito mais facilidade pelos verdadeiros donos
do poder, que nos manipulam à vontade.]
Aprendemos como ganhar nosso sustento, mas não como construir em torno de nós uma vida que valha a pena ser vivida. Adicionamos anos a essa vida, quando talvez devêssemos inverter essa equação, adicionando vida aos anos. A Humanidade se orgulha de, pelas conquistas científicas e tecnológicas, já ter conseguido ir à Lua e voltar em segurança. Mas muitas vezes temos dificuldade em atravessar a rua, ou mesmo em subir ou descer alguns andares do prédio em que moramos para ajudar o novo vizinho. Conquistamos o espaço exterior, mas não o espaço interior.
Sem dúvida, fizemos coisas maiores, muito maiores. Mas não necessariamente coisas melhores, como bem sabemos. Preocupamo-nos em limpar o ar, em reverter o aquecimento global, em salvar os ovos de tartaruga, as baleias, os golfinhos e as espécies em extinção. Mas poluímos a alma. Por meio da física avançada, dividimos o átomo, mas não conseguimos desintegrar nossos preconceitos. Escrevemos mais ao longo do tempo e, nesses temos de internet e dessa infinidade de sites, lemos um volume de informações que quase nos afoga. Mas permanecemos pulando de página em página na web [e nos apps], em geral superficialmente, sem nos aprofundarmos direito em quase nada. Ou seja, mesmo tendo ao nosso dispor o maior cabedal de conhecimentos e informações já disponível na História para o cidadão comum e, mesmo assim, aprendemos menos, no sentido de introjetar informações realmente úteis que nos transformem internamente para melhor.
Planejamos mais, mas realizamos menos. Especializamo-nos em correr, mas desaprendemos a esperar — estamos nos esquecendo da arte da paciência. Vemos os governos mais ricos gastando fortunas assombrosas em armamentos altamente sofisticados, mas o que menos vemos é paz no planeta. Temos mais rendimentos, mas nosso padrão moral não acompanha essa melhoria de vida.
[Já percebeu a quantidade de informação que, sem perceber,
você absorve feito uma esponja? Ainda mais nesses tempos
de hoje, em que dispomos de um repositório quase infinito
de dados online ao nosso alcance gratuitamente. Quantas
são as oportunidades que temos de nos desconcentrar?
Quantas chances surgem a todo instante para pularmos para
a página seguinte sem ao menos ter digerido adequadamente
a anterior? No que vai dar essa loucura?]
Vamos a mais festas, mas nos divertimos menos. Temos mais comida, mas menos satisfação. Nas redes sociais em geral, temos centenas, às vezes milhares de conhecidos, mas nossos amigos de verdade são poucos, se é que realmente existem. Esforçamo-nos mais, mas temos menos sucesso. Construímos cada vez mais computadores, sempre mais poderosos do que os anteriores, mas temos menos comunicação em temas reais e de verdadeira importância. Prometeram-nos uma sociedade digital em que o papel seria virtualmente abolido dos escritórios e de nossas vidas, mas nunca se imprimiu tanto nem gastou-se tanto papel à toa em toda a História.
Dirigimos carros menores, mais econômicos, mas gastamos preciosa parte de nosso tempo diariamente presos em engarrafamentos, lidando com situações estressantes e, muitas vezes, arriscando nossas vidas à mercê de motoristas alcoolizados, imprudentes, incapazes, ou então sob a mira do revólver de um assaltante que nos aborda em um engarrafamento urbano ou em um sinal de trânsito. Cultivamos extensões gigantescas de terreno para produzir as plantas de que necessitamos, mas somos reféns de corporações dos setores biológico e químico que nos oprimem, por um lado com patentes de sementes geneticamente modificadas que resistem às pragas, e por outro com os danos que causam os agrotóxicos que supostamente combatem essas mesmas pragas.
Vivemos um tempo em que estamos cercados de avanços na quantidade, em detrimento da qualidade. São tempos de refeições rápidas e digestão lenta, de homens e mulheres altos, mas de caráter pequeno. Para alguns, as curvas de lucro são íngremes, mas os relacionamentos são superficiais, ligações entre humanos hetero ou homossexuais em que a ternura e o verdadeiro amor vêm dando lugar ao simplesmente ficar, simplesmente pegar e depois partir para mais uma aventura, sem que a fusão anterior de almas e corpos tivesse aprofundado o significado da vida.
[Dizem os espiritualistas, que quando o Universo foi criado,
ou quando ele explodiu no Big Bang atual (pois já teria havido
outros e outros inúmeros ciclos de expansão e contração do
Todo), foi produzido um som gigantesco, cujo eco persiste
até hoje nos mundos sutis. Esse som se parece, dizem eles,
com a palavra “Aummm...”, ou, para os yogues, simplesmente
“Om”. O símbolo 🕉️ representa na escrita sânscrita esse
som primordial, e é usado como tema de meditação e
contemplação abstrata, prática comum entre os que, de
vez em quando, dão lá seus mergulhinhos no interior
de seu próprio Ser.]
Querem que acreditemos que há paz no planeta como um todo, mas as guerras domésticas e menores estão aí, alimentando continuamente a incalculavelmente lucrativa indústria bélica mundial. Nossos filhos e netos estão continuamente sob a ameaça de um sórdido e silencioso complô em que a célula familiar se desagrega, os valores do Bem e da Justiça são menosprezados, e o jovem é sutilmente treinado a baixar sua autoestima, agregar-se a outros na mesma situação e, não conseguindo antever um horizonte de realizações, entregar-se ao caminho fácil da alienação e do vício, tornando-se mais facilmente manipulável pelos grandes interesses de uns poucos poderosos e muitas vezes sem escrúpulos.
Temos mais lazer, mas menos diversão. Maior variedade de alimentos, mas menos nutrição. Os casais ganham mais, pois os dois trabalham fora, mas a taxa de divórcios nunca foi tão alta. Lá no topo da pirâmide social, são tempos de casas chiques e lares cada vez mais despedaçados. São dias de viagens rápidas, de fraldas descartáveis, de vidas transcorrendo dentro de casulos, de moralidade também descartável, de paixões de uma noite só, de corpos doentes e muito acima do peso, de pílulas capazes de acalmar, alegrar, prevenir, aquietar... ou matar. É um tempo em que há muita coisa na vitrine e poucos itens no estoque. Na verdade, os tempos são estes — é o aqui e o agora. E vamos nos virando como podemos”.
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